Na segunda-feira da semana passada o presidente da república, Luís Inácio Lula da Silva, visitou São Paulo, mais precisamente a comunidade de Heliópolis, maior favela de São Paulo e segundo da América Latina. Foi a primeira vez que um presidente visitou uma favela. Neste mesmo período ocorreu a greve na Universidade de São Paulo (USP) por mais verbas para as universidades estaduais (USP, Unicamp e Unesp).
O que faz um presidente visitar uma favela, principalmente após uma reunião na FIESP?
Acompanhado de dois potenciais candidatos ao governo do Estado de São Paulo nas próximas eleições, Marta Suplicy e o senador Aloizio Mercadante, ambos do PT, Lula novamente fez declarações que só cabem ao seu ego, afirmando ser um exemplo aos pobres. Como noticiou a mídia “Lula foi visitar um ponto de cultura, parceria da iniciativa privada com o Ministério da Cultura, que tem como objetivo levar cultura e formação para população de baixa renda. A idéia inicial do governo, como admitiu Lula, era construir uma casa de cultura em cada município, mas isso não foi feito. O que se fez foram 210 pontos em todo o país, que tem mais de 5.500 municípios”.
Enquanto isso, do outro lado da cidade a quilômetros de distância ocorria a greve. A greve da USP foi motivada pelo veto do governador Geraldo Alckmin, do PSDB, ao projeto de lei que eleva o gasto obrigatório com educação no Estado de 30% para 31% de sua receita tributária e aumenta a proporção destinada às três universidades estaduais de 9,57% para 10% da arrecadação do ICMS. A greve pretendia pressionar deputados estaduais a derrubar o veto.
Juntas, USP, Unicamp e Unesp respondem por cerca de metade da produção científica nacional e formam boa parte dos melhores quadros do país. Suas atividades contribuem para o desenvolvimento do Estado e do Brasil. Fato indiscutível.
A elevação significaria cerca de R$ 470 milhões adicionais, que seriam divididos entre universidades, ensino tecnológico e básico. As universidades alegam que precisam dos recursos extras para manter as novas vagas abertas desde 2001, em um programa incentivado pelo próprio governo. Dizem que, sem elas, a qualidade dos cursos pode cair. No total, foram criadas 5.512 vagas, distribuídas entre USP (2.787), Unesp (1.825) e Unicamp (900). Mais de 1500 manifestantes realizaram ato na Assembléia Legislativa de São Paulo, ato que chegou a gerar confusão quando tentaram fechar uma avenida próxima.
As universidades, porém, não são as únicas preocupações do governo. O Estado coloca R$ 9,8 bilhões na Secretaria da Educação, dos quais R$ 1,3 bilhão (menos do que os R$ 2 bilhões destinados à USP) destina-se ao ensino médio. O que vai contra o consenso internacional de investimento prioritário na educação fundamental.
Heliópolis reúne mais de 120.000 pessoas em uma área equivalente a dois terços do parque Ibirapuera. Já foi sinônimo de uma das regiões mais perigosas do Brasil e do mundo. Atualmente a palavra laboratório é a palavra que melhor representa a comunidade. Eis alguns exemplos:
O maestro Sílvio Bacarelli comanda uma orquestra sinfônica que começa a revelar talentos como o contra-baixista Adriano Costa Chaves que foi convidado pessoalmente pelo maestro Zubin Meta para um estágio na Filarmônica de Israel, uma das mais prestigiadas do mundo.
A bailarina Ana Botafogo, uma das mais importantes bailarinas brasileira, ministrará um programa de balé para a população local.
O renomado arquiteto Ruy Ohtake convidado pela liderança da comunidade tem realizado feitos impressionantes. Primeiramente coloriu as casas da rua principal, gerando não só uma valorização do cuidado com a manutenção como também as cores tem despertado alegria, moral e vida. Saiu o cinza padrão, o preto e branco e entrou a cor. A comunidade passou a ver a si próprio com cores. Próximo passo já inaugurado é uma biblioteca no qual os 1.000 primeiros livros do acervo não foram doados, mas escolhidos por José Castilho Marques Neto, diretor da biblioteca Mário de Andrade e editor da Editora da Unesp. "Tudo aqui tem de ter dignidade. Não é porque é pobre que você vai fazer no olho. Não vamos fazer biblioteca com aqueles livros que as pessoas não querem mais", diz Ohtake. Ainda deverão ser construídos um cinema com capacidade de 120 lugares, um centro cultural e uma galeria de exposições, tudo projetado por Ruy, que ainda utilizou seu renome para atrair os recursos necessários. A biblioteca terá como financiador o banco Pan-Americano, já o centro cultural fica por conta da construtora Matec.
A idéia de Ohtake é que a exclusão social é acompanhada da exclusão territorial e arquitetônica. A favela, para ele, não pode mais ser considerada uma ocupação temporária que, por conta disso, é um amontoado de déficits. A infra-estrutura é atribuição do Estado, segundo ele, mas o resto deve ser uma tarefa de todos.
Em janeiro passado, uma prisão desativada foi convertida em biblioteca. O espaço é hoje freqüentado por 600 alunos, que recebem gratuitamente aulas de inglês e computação, além de reforço escolar.
Líderes locais ajudaram a formar policiais capazes de entender os segredos da favela. Criou-se um posto de policiamento comunitário. Um pastor, Carlos Altheman, coordenou as demandas por mais segurança. "As pessoas perderam o medo e passaram a denunciar mais", diz o pastor, autor da idéia de fazer da carceragem uma biblioteca.
Um exemplo impressionante é o caso do roubo de todos os computadores da escola municipal que funciona em Heliópolis. "Não sobrou nenhum", lembra o diretor da escola que cursa pós-gradução, saiu pela favela falando com as pessoas sobre a importância dos computadores para o aprendizado das crianças. Resultado: dois dias depois, todos os equipamentos estavam de volta. E devidamente instalados.
São muitos os exemplos que se destacam pela elevada produção com poucos recursos. Heliópolis ainda sofre com problemas sociais que não sumiram da noite pro dia. Não virou uma maravilha, mas boa parte desses programas que vem sendo realizados tem refletido em indicadores como a queda dos índices de homicídios, que nos últimos três anos teve queda de 60% e é um verdadeiro laboratório que emana cultura e educação para Lula, para a USP e para qualquer político e cidadão ver.
Após as grandes pressões o governador acabou cedendo e a USP deverá receber, de acordo com o texto enviado à Assembléia Legislativa de São Paulo, R$ 18,5 milhões a mais do que o normal. A Unicamp, R$ 20 milhões. USP, Unesp e Unicamp precisam gastar melhor o que o contribuinte paulista lhes dá, diminuindo suas ineficiências administrativas. Aumentar o repasse do ICMS, além de prejudicar outras despesas fundamentais do Estado, seria um desestímulo à otimização do gasto. Enquanto discute os recursos para 2006, a Unesp vem enfrentando problemas financeiros já neste ano. Comprometida com o pagamento do décimo terceiro a universidade promoveu um corte de 15% dos recursos destinados ao custeio (manutenção). Há redução, por exemplo, na conta de luz, fazendo com que lâmpadas sejam apagadas. Ao menor sinal de falta de recursos as universidades aqui analisadas tomam uma atitude altamente egocêntrica, corporativista e anti-democrática. Deixam os interesses da sociedade de lado em detrimento de mais recursos para si próprio. Empregam práticas administrativas ultrapassadas de grandes desperdícios. Sabem que esses recursos adicionais que pleiteiam terá de sair de áreas como segurança, infra-estrutura, cultura, habitação e saúde, e mesmo assim deixam o interesse particular pesar mais.
Faço aqui uso de trecho de texto publicado no dia 01/09/05 no O Estado de São Paulo sobre a greve na USP de autoria de Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard: “O fato de os gastos públicos sociais não beneficiarem devidamente os mais pobres é agravado porque o sistema tributário que os financia se assenta principalmente em impostos indiretos, de caráter regressivo em relação à renda, pois os mais pobres gastam em bens e serviços tributados com impostos desse tipo uma proporção maior de seus rendimentos do que as classes de renda mais alta. A educação superior pública paulista é bem ilustrativa dessa distorção, pois é custeada com um imposto indireto, o ICMS, e dela se beneficiam com maior intensidade os estudantes originários dessas classes (renda mais alta)”.
Honestamente nunca fui para Heliópolis e nem faço parte da USP. Tudo que escrevi são informações retiradas das mais variadas mídias. Contudo, o que temos são fatos mais do que concretos que revelam o poder da vontade de mudar sem ficar esperando a boa vontade de Brasília e dos órgãos públicos. Revela que com seriedade as coisas funcionam, viram referência internacional. A valorização da cultura e da educação em Heliópolis tem apresentado resultados impressionantes mesmo no curto prazo. Se antes os jovens da favela tinham como referência somente o traficante e o jogador de futebol hoje já tem Adriano Costa Chaves. Temos um exemplo nacional a ser seguido não somente por aqueles em Brasília, mas que ensina a todas as pessoas como fazer um país sério de verdade. Heliópolis dá uma verdadeira aula para a USP, de como fazer muito com poucos recursos, de como pensar no próximo para o bem de todos.
Ruy Hirano, 20, estudante de administração.
O que faz um presidente visitar uma favela, principalmente após uma reunião na FIESP?
Acompanhado de dois potenciais candidatos ao governo do Estado de São Paulo nas próximas eleições, Marta Suplicy e o senador Aloizio Mercadante, ambos do PT, Lula novamente fez declarações que só cabem ao seu ego, afirmando ser um exemplo aos pobres. Como noticiou a mídia “Lula foi visitar um ponto de cultura, parceria da iniciativa privada com o Ministério da Cultura, que tem como objetivo levar cultura e formação para população de baixa renda. A idéia inicial do governo, como admitiu Lula, era construir uma casa de cultura em cada município, mas isso não foi feito. O que se fez foram 210 pontos em todo o país, que tem mais de 5.500 municípios”.
Enquanto isso, do outro lado da cidade a quilômetros de distância ocorria a greve. A greve da USP foi motivada pelo veto do governador Geraldo Alckmin, do PSDB, ao projeto de lei que eleva o gasto obrigatório com educação no Estado de 30% para 31% de sua receita tributária e aumenta a proporção destinada às três universidades estaduais de 9,57% para 10% da arrecadação do ICMS. A greve pretendia pressionar deputados estaduais a derrubar o veto.
Juntas, USP, Unicamp e Unesp respondem por cerca de metade da produção científica nacional e formam boa parte dos melhores quadros do país. Suas atividades contribuem para o desenvolvimento do Estado e do Brasil. Fato indiscutível.
A elevação significaria cerca de R$ 470 milhões adicionais, que seriam divididos entre universidades, ensino tecnológico e básico. As universidades alegam que precisam dos recursos extras para manter as novas vagas abertas desde 2001, em um programa incentivado pelo próprio governo. Dizem que, sem elas, a qualidade dos cursos pode cair. No total, foram criadas 5.512 vagas, distribuídas entre USP (2.787), Unesp (1.825) e Unicamp (900). Mais de 1500 manifestantes realizaram ato na Assembléia Legislativa de São Paulo, ato que chegou a gerar confusão quando tentaram fechar uma avenida próxima.
As universidades, porém, não são as únicas preocupações do governo. O Estado coloca R$ 9,8 bilhões na Secretaria da Educação, dos quais R$ 1,3 bilhão (menos do que os R$ 2 bilhões destinados à USP) destina-se ao ensino médio. O que vai contra o consenso internacional de investimento prioritário na educação fundamental.
Heliópolis reúne mais de 120.000 pessoas em uma área equivalente a dois terços do parque Ibirapuera. Já foi sinônimo de uma das regiões mais perigosas do Brasil e do mundo. Atualmente a palavra laboratório é a palavra que melhor representa a comunidade. Eis alguns exemplos:
O maestro Sílvio Bacarelli comanda uma orquestra sinfônica que começa a revelar talentos como o contra-baixista Adriano Costa Chaves que foi convidado pessoalmente pelo maestro Zubin Meta para um estágio na Filarmônica de Israel, uma das mais prestigiadas do mundo.
A bailarina Ana Botafogo, uma das mais importantes bailarinas brasileira, ministrará um programa de balé para a população local.
O renomado arquiteto Ruy Ohtake convidado pela liderança da comunidade tem realizado feitos impressionantes. Primeiramente coloriu as casas da rua principal, gerando não só uma valorização do cuidado com a manutenção como também as cores tem despertado alegria, moral e vida. Saiu o cinza padrão, o preto e branco e entrou a cor. A comunidade passou a ver a si próprio com cores. Próximo passo já inaugurado é uma biblioteca no qual os 1.000 primeiros livros do acervo não foram doados, mas escolhidos por José Castilho Marques Neto, diretor da biblioteca Mário de Andrade e editor da Editora da Unesp. "Tudo aqui tem de ter dignidade. Não é porque é pobre que você vai fazer no olho. Não vamos fazer biblioteca com aqueles livros que as pessoas não querem mais", diz Ohtake. Ainda deverão ser construídos um cinema com capacidade de 120 lugares, um centro cultural e uma galeria de exposições, tudo projetado por Ruy, que ainda utilizou seu renome para atrair os recursos necessários. A biblioteca terá como financiador o banco Pan-Americano, já o centro cultural fica por conta da construtora Matec.
A idéia de Ohtake é que a exclusão social é acompanhada da exclusão territorial e arquitetônica. A favela, para ele, não pode mais ser considerada uma ocupação temporária que, por conta disso, é um amontoado de déficits. A infra-estrutura é atribuição do Estado, segundo ele, mas o resto deve ser uma tarefa de todos.
Em janeiro passado, uma prisão desativada foi convertida em biblioteca. O espaço é hoje freqüentado por 600 alunos, que recebem gratuitamente aulas de inglês e computação, além de reforço escolar.
Líderes locais ajudaram a formar policiais capazes de entender os segredos da favela. Criou-se um posto de policiamento comunitário. Um pastor, Carlos Altheman, coordenou as demandas por mais segurança. "As pessoas perderam o medo e passaram a denunciar mais", diz o pastor, autor da idéia de fazer da carceragem uma biblioteca.
Um exemplo impressionante é o caso do roubo de todos os computadores da escola municipal que funciona em Heliópolis. "Não sobrou nenhum", lembra o diretor da escola que cursa pós-gradução, saiu pela favela falando com as pessoas sobre a importância dos computadores para o aprendizado das crianças. Resultado: dois dias depois, todos os equipamentos estavam de volta. E devidamente instalados.
São muitos os exemplos que se destacam pela elevada produção com poucos recursos. Heliópolis ainda sofre com problemas sociais que não sumiram da noite pro dia. Não virou uma maravilha, mas boa parte desses programas que vem sendo realizados tem refletido em indicadores como a queda dos índices de homicídios, que nos últimos três anos teve queda de 60% e é um verdadeiro laboratório que emana cultura e educação para Lula, para a USP e para qualquer político e cidadão ver.
Após as grandes pressões o governador acabou cedendo e a USP deverá receber, de acordo com o texto enviado à Assembléia Legislativa de São Paulo, R$ 18,5 milhões a mais do que o normal. A Unicamp, R$ 20 milhões. USP, Unesp e Unicamp precisam gastar melhor o que o contribuinte paulista lhes dá, diminuindo suas ineficiências administrativas. Aumentar o repasse do ICMS, além de prejudicar outras despesas fundamentais do Estado, seria um desestímulo à otimização do gasto. Enquanto discute os recursos para 2006, a Unesp vem enfrentando problemas financeiros já neste ano. Comprometida com o pagamento do décimo terceiro a universidade promoveu um corte de 15% dos recursos destinados ao custeio (manutenção). Há redução, por exemplo, na conta de luz, fazendo com que lâmpadas sejam apagadas. Ao menor sinal de falta de recursos as universidades aqui analisadas tomam uma atitude altamente egocêntrica, corporativista e anti-democrática. Deixam os interesses da sociedade de lado em detrimento de mais recursos para si próprio. Empregam práticas administrativas ultrapassadas de grandes desperdícios. Sabem que esses recursos adicionais que pleiteiam terá de sair de áreas como segurança, infra-estrutura, cultura, habitação e saúde, e mesmo assim deixam o interesse particular pesar mais.
Faço aqui uso de trecho de texto publicado no dia 01/09/05 no O Estado de São Paulo sobre a greve na USP de autoria de Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard: “O fato de os gastos públicos sociais não beneficiarem devidamente os mais pobres é agravado porque o sistema tributário que os financia se assenta principalmente em impostos indiretos, de caráter regressivo em relação à renda, pois os mais pobres gastam em bens e serviços tributados com impostos desse tipo uma proporção maior de seus rendimentos do que as classes de renda mais alta. A educação superior pública paulista é bem ilustrativa dessa distorção, pois é custeada com um imposto indireto, o ICMS, e dela se beneficiam com maior intensidade os estudantes originários dessas classes (renda mais alta)”.
Honestamente nunca fui para Heliópolis e nem faço parte da USP. Tudo que escrevi são informações retiradas das mais variadas mídias. Contudo, o que temos são fatos mais do que concretos que revelam o poder da vontade de mudar sem ficar esperando a boa vontade de Brasília e dos órgãos públicos. Revela que com seriedade as coisas funcionam, viram referência internacional. A valorização da cultura e da educação em Heliópolis tem apresentado resultados impressionantes mesmo no curto prazo. Se antes os jovens da favela tinham como referência somente o traficante e o jogador de futebol hoje já tem Adriano Costa Chaves. Temos um exemplo nacional a ser seguido não somente por aqueles em Brasília, mas que ensina a todas as pessoas como fazer um país sério de verdade. Heliópolis dá uma verdadeira aula para a USP, de como fazer muito com poucos recursos, de como pensar no próximo para o bem de todos.
Ruy Hirano, 20, estudante de administração.
Um comentário:
Interessante a idéia de deixar seu conteúdo num blog. Além de ser visualmente melhor, possibilita a visita de pessoas realmente interessadas. Boa sorte, meu amigo!
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