domingo, maio 21, 2006

ACORDA BRASIL E BANQUETE DA VIDA

No final de semana passada me dediquei às peças de teatro que a cidade de São Paulo oferece em tanto volume e variedade e que raramente tenho oportunidade de ir presenciar alguma. Em uma noite fui assistir à peça Acorda Brasil que está sendo apresentada no teatro Shopping Frei Caneca. Na noite seguinte fui à peça teatral que conta com a participação de um grande amigo, Banquete da Vida, em apresentação no teatro Dias Gomes.
Coincidência ou não ambas as peças tinham muitas coisas em comum e acredito que talvez seja um retrato das mudanças pela qual passa a sociedade brasileira. Não pretendo contar maiores detalhes das peças teatrais para não estragar a surpresa daqueles que pretendem ir assistir, mas como é impossível ser imparcial e não fazer citações então recomendo ao leitor que vá assistir à(s) peça(s) e então volte a ler este texto para não estragar nenhum clímax. O que escrevo abaixo são detalhes que podem comprometer a satisfação com as peças.

A peça Acorda Brasil tem autoria de Antônio Ermírio de Moraes, terceiro texto do empresário, onde o tema é a educação. Vou utilizar a descrição que consta no guia do jornal:
“Um jovem violinista aspirante dá aulas em uma escola pobre da cidade e enfrenta a resistência de uma diretora desiludida, além da desconfiança de alguns alunos. A montagem conta com 18 adolescentes da comunidade de Heliópolis, bem como 65 músicos da Sinfônica Heliópolis”.
O elenco conta com um grande número de atores globais com muita experiência e talento, destaque que não passa em branco é a atuação de Arlete Salles. Não vou com freqüência ao teatro, acredito que menos de 4 vezes ao ano, mas esse foi sem dúvidas o que mais me emocionou, divertiu e me fez repensar na vida. Realidade e ficção se misturam no palco. A realidade brasileira retratada sem hipocrisia ou

(O que contarei neste parágrafo fará mais sentido para aqueles que assistiram à peça) Lá estava eu, único jovem com a mochila na costa e o velho moleton batido enquanto que a maioria do público é composta de casais de meia idade de situação financeira confortável e clube de velhinhas endinheiradas. Para ser sincero não me sentia muito à vontade, acredito que era o mais jovem naquele público, me sentia quase que no asilo dos meus avós, acreditando que o tema era educação esperava que pessoas de todas as idades fossem se interessar. Quando a peça tem inicio todos esses detalhes ficam de lado, todos riem e todos se emocionam juntos, independente de idade, classe, vestimentas ou sexo. Conto isso, pois a peça gira em torno da música e nela não importa quem toca, mas sim o talento do músico. Quando as pessoas estão em uma sinfônica ou uma banda tocar música é o que importa e não outras características. Atualmente muitos músicos da USP (jovens privilegiados no mínimo da classe média) disputam por uma vaga no Instituto Baccarelli localizado na favela de Heliópolis, acredito que isso mostra que podemos superar a barreira social que temos atualmente na sociedade. Finalizada a peça pego o elevador “coração de mãe”, sempre cabe mais um, espremido entre as velhas impressionadas como eu com a peça entram nos últimos espaços que sobram no elevador dois músicos de Heliópolis. Muitos elogios e admiração. Aquela situação me marcou profundamente, em qualquer outra situação velhas endinheiradas em um elevador com dois garotos negros e pobres seria caracterizado como seqüestro ou assalto, além daqueles olhares de desdém e rejeição que deixando a hipocrisia de lado todos sabemos que acontece. Quem diria que veria nesta vida as velhas de Higienópolis e Jardins rasgando elogios aos favelados.
Resumidamente Acorda Brasil é uma verdadeira injeção de fé, nacionalismo e esperança. É uma peça que nos diz que é possível SIM mudar, é possível SIM melhorar este país apesar da completa apatia da maioria de seus cidadãos.

A outra peça teatral que conferi no fim de semana, Banquete da Vida, trata de um trecho bíblico adaptado para os dias atuais. Segundo a sinopse do meu amigo-ator: “É a história de uma comunidade em uma favela, que tem seus problemas com políticos e bandidos e um líder comunitário (uma alusão a Jesus) que tenta deixar as pessoas com a cabeça no lugar”.
Fui atraído mais pela atração do meu colega da faculdade e figurante do que pelo enredo, contudo a temática foi uma grata surpresa. Novamente a representação da pobreza, violência e o contra-peso da esperança. Ao longo da peça nos deparamos com algumas situações que nos levam á reflexão. A peça alterna ”opiniões” de um modo positivo-negativo, cara-coroa onde se por um lado podemos construir por outro podemos destruir. Passa por fama, poder e o preço a pagar. Consumismo, tráfico, corrupção e morte. Ainda assim fica o recado final positivo.

Se por um lado temos a esperança de um país melhor pelo qual podemos e devemos batalhar, por outro presenciei um evento enfadonho, bizarro, na semana que passou e que contarei resumidamente para não me alongar. Em uma das aulas o professor explicava a matéria enquanto os alunos conversavam o ignorando, até que uma pergunta do aluno provocou a indignação do professor, segundo o qual se sentiu “ofendido”. Inconformado o aluno começou a discutir durante a aula com o professor. Talvez sejam sinais de novos tempos onde alunos não respeitam e ridicularizam professores batendo boca no meio da aula em plena classe, mas no meu tempo e nas minhas convicções considero extrema falta de respeito e de educação. Para os que discordam achando que estou generalizando complemento que o restante da sala dava muita risada da situação, principalmente toda vez que o professor falava. Não coloco aqui uma experiência do jardim de infância, mas de uma aula na faculdade da chamada elite intelectual e financeira do país.
A falta de respeito e educação da elite (ou parte dela pra não ser injusto) justifica a desgraça dos atentados do PCC e da ridícula situação brasileira. As peças teatrais e as obras sociais representam a esperança do amanhã. Vamos acordar.

Ruy Hirano, 21, estudante de administração.

CULTURA DO DESESPERO

LUIZ ALBERTO MENDES, 54, é autor de "Memórias de um Sobrevivente" e passou 31 anos preso

HÁ CERCA DE 25 anos, o sistema prisional do Estado de São Paulo estava bastante bem aparelhado. A sociedade se importava com o homem aprisionado. Prisão era terrível e o preso respeitado pela dureza de sua condição existencial.
A Penitenciária do Estado possuía um hospital que realizava até pequenas cirurgias. Os médicos eram os melhores possíveis: dr. Atílio, o oftalmologista, possuía consultório na região dos Jardins. Dr. Paulo Sérgio, ortopedista, era médico do São Paulo Futebol Clube. Havia o Senai, com cerca de 30 cursos cujos certificados eram respeitados em todo o país. O setor de educação, além de alfabetizar (e era obrigatório pelo menos o primário) propunha cursos de desenhos, inglês, escriturário, arquivista, outros cursos.
Na minha última passagem pela Penitenciária do Estado, há cinco anos, o hospital tornara-se local de trânsito para presos de outras prisões. O convênio com o Senai foi extinto em 1987, por conta de uma rebelião. As favelas, os cortiços aumentaram assustadoramente. São Paulo transformou-se numa megalópole. A pobreza foi multiplicada e transformou-se em miséria na proporção em que o desemprego e a população cresceram muito acima do previsto. Por conseqüência, a violência desenvolveu-se, a brutalidade progrediu.
Então, a população carcerária, essa ponta do iceberg, como queria Marx, começou a aumentar desproporcionalmente. As verbas para sustentar essa explosão demográfica prisional continuou a mesma. O sistema entrou em crise e começou a ser sucateado. A superpopulação das prisões chegou a absurdos que todos nós vimos nas reportagens de lá a esta parte. O colapso se estabeleceu e o preso foi abandonado nas mãos dos diretores e dos guardas de prisão. Estes, despreparados, implantaram a lei do cano de ferro (espancamento com cano de ferro), a política da cela forte e do isolamento em prisões cada vez mais duras. Violência em cima de violência.
O ser humano faz cultura onde estiver, é de sua natureza. Abandonado a si mesmo e vindo diretamente do ato criminoso, este homem preso só pode fazer a cultura do crime. Não conhece outra. A cultura da união para se defender da opressão. Está preso, mas continua humano, e lutar pela sobrevivência faz parte da condição humana. Nada diferente lhes foi oferecido. Foi enterrado vivo, em pé e abandonado.
A sociedade fez como quem joga uma bomba para cima e espera que ela crie asas e saia voando para o infinito. Enquanto o preso estava atrás das muralhas de grades, pouco lhes importa a condição. Se comprimido, oprimido, espancado, ou estupidificado, não era interessante saber. Importava mantê-lo distante da possibilidade de atacar, ou seja, atrás das grades.Mas veja: surpresa! A bomba não voa. Começa a cair e detonar toda a nitroglicerina acumulada em décadas de abandono. O abandono, o isolamento social e físico, geraram tudo isso que se vê nestes dias de terror em São Paulo. Somos todos responsáveis por tudo o que está acontecendo.
Este não é um problema somente de Estado ou de polícia, é de toda a sociedade a se repensar e tomar atitudes menos demagógicas e absurdas. Por exemplo: a maioria das pessoas pensa que ao sair da prisão (como nos enlatados americanos), o egresso recebe um lugar para dormir, trabalho e ainda o mantêm sob vigilância. Isso não existe. No máximo, recebe um bilhete para São Paulo e um pé na bunda: se vira!
Se não tiver família, amigos, retornará à prisão (o índice de reincidência é 65%) ou vira mendigo, esta gente apagada socialmente nas praças da cidade. Muitos dos que habitam os albergues noturnos são ex-presidiários que não conseguiram a reintegração social.
Existe os que não sabem, e a esses é possível esclarecer. Mas o pior são os que não querem saber, terão de ser esclarecidos.

domingo, maio 14, 2006

O ASTRONAUTA E O BRASIL

Algumas semanas atrás o astronauta Marcos César Pontes entrou para a história do Brasil como o primeiro brasileiro a ir para o espaço. Depois de anos de treinamento em Houston nos Estados Unidos, o brasileiro esperava em uma fila na qual provavelmente nunca iria para o espaço embora a participação do Brasil na Estação Espacial Internacional permita realizar experimentos e até mesmo enviar um astronauta. Pagando 10 milhões de dólares aos russos o governo brasileiro “furou” a fila e conseguiu enviar seu astronauta.
Desde criança tenho uma atração pelo espaço, talvez seja aquele sonho de infância de querer ser astronauta, poder ficar flutuando na ausência da gravidade. Sendo assim acompanho na medida do possível as notícias relacionadas ao tema, alguns detalhes do programa espacial norte americano que é o mais desenvolvido e aberto para as pessoas. Minha visão sobre a ida do brasileiro para o espaço é de total apoio, não somente pelo feito na área espacial brasileira, mas por toda a história envolvida.

Marcos Cesar Pontes natural de Bauru (interior de São Paulo) começou como aprendiz de eletricista por um curso no Senai. Sempre estudou em escola pública. Nas visitas ao Aeroclube de Bauru e à AFA (Academia da Força Aérea), onde o tio fazia manutenção de aeronaves, pegou gosto pela aviação. Acabou se formando em engenharia pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Em 1996 se inscreveu no processo de seleção para astronauta e foi escolhido. Mudou para Houston onde treinou no Centro Espacial Johnson até 2000 quando foi declarado apto para vôo espacial, mas enquanto seus colegas de turma eram escalados para vôos espaciais Marcos Ponte aguardava na fila. Fatores burocráticos começaram a surgir. O governo brasileiro se indispôs a pagar sua parte na construção da Estação Espacial Internacional orçado em pouco menos de 200 milhões de dólares. Para piorar, em 1º de fevereiro de 2003, o ônibus espacial americano Columbia explodiu no retorno à Terra, matando sete astronautas. Assim o programa espacial norte americano com os ônibus espaciais foi paralisado bem como a fila para o astronauta brasileiro. Todas inclusive Pontes achavam que o Brasil teria o astronauta que não voou.

Enquanto Marcos Pontes estava no espaço nada demais ocorria por aqui. Mensalistas sendo absolvidos, deputada Angela Guadagnin dançando no plenário, orçamento de 2006 não aprovado em pleno mês de abril, presidente Lula viajando na maionese. Tudo dentro da normalidade. Adotei a tese de que o Brasil parou no tempo. Alguns aspectos são os mesmos desde que Cabral chegou aqui. Vide desigualdade, saúde e educação. Na conversa com Marcos Pontes direto da Estação Espacial Internacional o presidente Lula fazia mais um de seus discursos onde nem mesmo ele sabe do que se trata, enquanto isso o vice Alencar, sentado ao seu lado, parecia estar em outra dimensão ou perdido no espaço de tanto tédio que suas expressões demonstravam.

Logo após o pouso em terra firme de volta da grande viajem Marcos Pontes declarou: “Com persistência se chega aonde se quer”. Muitas entrevistas, fotos com o presidente, passeata com caminhão dos bombeiros, mas nem chega perto de uma comemoração futebolística.

Na minha visão a ida do astronauta Marcos Pontes ao espaço foi uma oportunidade única de exaltação da vitória e do sucesso com trabalho e dedicação. Em tempos de mensalão, imunidade parlamentar e empresários inescrupulosos que conseguem fazer suas esposas gastarem uma montanha de dinheiro em lingeries na daslu, Marcos Pontes mostra que todos podem independente de suas limitações realizar os sonhos de vida, não precisando se beneficiar dos “Valério-dutos” da vida.

Infelizmente para muitos Marcos Pontes foi passear no espaço em benefício próprio com o dinheiro do contribuinte. Para alguns membros da comunidade científica o dinheiro seria melhor empregado de outras maneiras como o financiamento de bolsas de estudos para pós-graduação de cientistas. Sem dúvida que investir na especialização e estudos como o financiamento de mestrado e doutorado no exterior é um bom investimento para o desenvolvimento do Brasil, contudo “estranhamente” muitos desses cientistas e bolsistas financiados que vão estudar no exterior acabam não voltando. Só para dar uma amostra recentemente um jornal fez uma pesquisa dos cientistas brasileiros mais promissores, isto é, menos de 35 anos de idade e reconhecidos internacionalmente. Dos cinco citados três estão nos Estados Unidos, um trabalha na Cia. Vale do Rio Doce, mas prestou serviços para a Nasa e o outro está ligado à USP. O financiamento à pós representa em si no Brasil financiar um privilegiado. Partindo para a hipocrisia então deveríamos empregar os 10 milhões de dólares para erradicar o analfabetismo neste país.

É possível discutir infinitamente se o dinheiro dispendido foi bem gasto ou não. Mas acho indiscutível que Marcos Pontes cumpriu com seu papel, exaltando o nacionalismo e o sucesso em um país tão carente de bons exemplos. Basta ligar a televisão ou abrir os jornais para descobrirmos. Quantos ministros caíram por meras denúncias? Quantos deputados acusados? Quantos empresários envolvidos em esquemas ilícitos? Se Pontes conseguiu atingir a milhões de crianças e mesmo que somente uma entre elas se transformar em um “Bill Gates” oferecendo milhares de empregos de elevado valor já não terá valido a pena? E se desses milhões mais da metade crescerem sabendo que podem ir longe, podem sonhar? Que podem mudar o bairro, a cidade, o país?
Não acredito que dez milhões podem transformar um país, mas se não pensarmos no futuro estaremos eternamente perpetuando o status quo que se mostra falido, mesmo que para isso seja preciso enviar um brasileiro para o espaço a cada 506 anos.

Ruy Hirano, 21, estudante de administração.

segunda-feira, maio 08, 2006

POR QUE A MOROSIDADE NO DESENVOLVIMENTO DA ENERGIA HÍDRICA?

ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Por que a morosidade no desenvolvimento da energia hídrica?
A crise do gás revelou uma triste realidade: o Brasil tornou-se refém da Bolívia. Com todo o respeito que essa nação merece, não tem cabimento o Brasil, com 188 milhões de habitantes e US$ 600 bilhões de PIB -e um país tão rico em energéticos- ficar dependente da Bolívia, que tem 9 milhões de habitantes e US$ 10 bilhões de PIB.
Tenho acompanhado o noticiário sobre essa crise e senti falta de análises que destaquem a imensa potencialidade do Brasil na área da hidroeletricidade. Poucas nações desfrutam do que possuímos. Temos quase 20% da água do mundo. É uma quantidade colossal.
Ademais, a geração de energia por meio de hidroelétricas tem externalidades preciosíssimas. Nos reservatórios, podem-se criar peixes em grande profusão. Depois de passada pelas turbinas, a água pode ser utilizada para irrigar grandes áreas de produção agrícola. Em todo o processo, essa água produz energia sem poluir e sem causar danos ao ambiente. Ao contrário, a fauna e a flora das regiões das usinas podem ser reconstruídas e melhoradas depois de eventuais desequilíbrios momentâneos causados pela construção do projeto.
O que não se justifica é a generalização improcedente alegada por certos "experts" do meio ambiente segundo a qual a exploração do nosso potencial hidroenergético é sinônimo de devastação da natureza. Com isso, dezenas de grandes projetos continuam na gaveta enquanto nos ajoelhamos aos pés da Bolívia para conseguir um aumento de preço tolerável do gás natural.
E sabe-se lá o que vai acontecer daqui para a frente. Os governantes bolivianos já falam em uma estonteante elevação de preço da ordem de 45%, passando dos atuais R$ 5,50 para R$ 8 o milhar de metro cúbico. É uma majoração insustentável para os consumidores individuais e para as indústrias, lembrando-se que muitas delas, há pouco tempo, foram levadas a converter seus equipamentos para usar o gás. Há setores que têm toda a produção atrelada a esse combustível, e a reconversão dos equipamentos para o óleo combustível ou para outro energético implica despesas intoleráveis para continuar competindo.
Que o ocorrido sirva de lição. Exploremos primeiro o que é nosso antes de buscar o que é dos outros. Confiemos em nossas instituições antes de assinar contratos com governos populistas, que, aos poucos, tomam conta da América Latina. Usemos o nosso bom senso antes de entrar em aventuras perigosas.
Populismo é a prática de manipular as emoções e conquistar o voto imediato dos eleitores. Desenvolvimento é o exercício equilibrado de estratégias voltadas para o futuro. São coisas muito diferentes.
Das lições da crise, só podemos apelar para que se use o bom senso, afastando os impulsos ideológicos e eleitoreiros que asseguram vitórias instantâneas e condenam as gerações do futuro.

DIALÉTICA DA NATUREZA

Preconceitos cercam a "árvore de direita"
RICARDO BONALUME NETO

Os coalas ficariam indignados se soubessem o que a esquerda brasileira está falando do eucalipto, cujas folhas são sua principal fonte de alimentação. Os simpáticos bichinhos peludos australianos talvez até fundassem uma organização não-governamental para gritar estridentemente suas opiniões. Talvez optassem pelo vandalismo, como certas ONGs.
Acreditem, coalas: a bela e altaneira árvore nativa da Austrália foi tachada de "árvore de direita", e suas florestas no Brasil foram apodadas de "desertos verdes". Essa curiosa visão do universo arbóreo foi a justificativa para que mulheres alucinadas da ONG Via Campesina vandalizassem em março instalações da Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro (RS).
"Somos contra os desertos verdes, as enormes plantações de eucalipto, acácia e pinus para celulose, que cobrem milhares de hectares no Brasil e na América Latina. Onde o deserto verde avança, a biodiversidade é destruída, os solos se deterioram, os rios secam, sem contar a enorme poluição gerada pelas fábricas de celulose que contaminam o ar, as águas e ameaçam a saúde humana", diz o manifesto das senhoras.
Até que ponto elas têm razão -e essa árvore, que se acredita ter sido primeiro introduzida no Brasil em 1868, é de fato um grotesco símbolo do "neoliberalismo", o nome novo que a esquerda dá ao velho capitalismo?
O eucalipto, que foi por um tempo vilão ambiental dos verdes menos esclarecidos, estaria voltando a ser malvado e adentrando o panteão maldito da esquerda, onde estão Coca-Cola, Big Mac e soja transgênica?
"Deserto verde é duplamente errado. Deserto é onde não chove. Se é verde, não pode ser deserto", diz, com a paciência típica dos cientistas que vivem às voltas com mitos, o pesquisador Walter de Paula Lima, um dos maiores conhecedores do eucalipto na comunidade científica brasileira.
Ele começou a estudar essa árvore já em 1972, quando começou sua carreira acadêmica como auxiliar de ensino no então Departamento de Silvicultura da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo), em Piracicaba -a mais prestigiosa escola brasileira de agronomia.
Walter Lima é especialista em hidrologia florestal, o uso de água pelas florestas. Um mito acalentado pelos verdes e agora pelos vermelhos pouco esclarecidos é a voracidade do eucalipto por água, cujas plantações seriam capazes de secar rios, lagos, mananciais.
Havia quem dizia que uma árvore de eucalipto usava 360 litros de água por dia. Um absurdo, que foi depois modificado para 30 litros na propaganda antieucalipto. O valor real máximo é 15 litros, diz o professor da Esalq; e só em certas épocas do crescimento, e certas épocas do ano, e para árvores plantadas no padrão tradicional de reflorestamento, uma para cada seis metros quadrados.
Há árvores nativas brasileiras com consumo parecido, dependendo também das circunstâncias. O cientista acha estranho criticarem o eucalipto por afetar a biodiversidade. Qualquer plantação agrícola -de soja ou de café de um latifundiário do agrobusiness, um roçadinho de feijão ou mandioca de agricultura de subsistência- é um ataque à variedade natural de espécies vegetais que existiam no terreno.
A única alternativa a isso seria banir a agricultura da face da Terra -mas, para isso, a população do planeta teria de diminuir de 6 bilhões para no máximo uns 50 ou 100 milhões, se tanto, catando frutinhas no mato "biodiverso".
Mas, dizem os nacionalistas silvícolas, por que não usar árvores nativas em vez do neoliberal eucalipto? Charles Darwin e sua teoria da evolução explicam.
As plantas , árvores e arbustos brasileiros nativos coevoluíram com suas pragas, faz milhões de anos. Criar uma floresta só de embaúba, uma bela árvore de crescimento rápido, seria criar um belo repasto para as pragas locais -a não ser que fossem neoliberalmente enxarcadas de inseticidas.
O eucalipto, ao ser transplantado para cá, poderia ter virado fast food das pragas ou ser imune a elas. Ganhou a segunda opção. A árvore se deu bem, cresce rápido e virou estrela de exportação.
Mais irônico ainda: os tais "eucalipto, acácia e pinus para celulose" criticados pelas neovândalas cumprem seu papel de preservar as matas nativas de virarem papel. Quem vai querer transformar a mata atlântica em papel, se é muito melhor fazer isso com essas árvores de crescimento rápido?